junho 22, 2018

Empresas de tecnologia se abrem para contratação de pessoas com autismo

Duas premissas muito importantes durante um processo seletivo para uma vaga de emprego são a boa comunicação e facilidade em trabalhar em equipe. Essa tendência de valorizar competências interpessoais pode abrir portas para muitas pessoas. Ao mesmo tempo, também pode ser excludente, principalmente quando pensamos em pessoas autistas.

O autismo, ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), se caracteriza pelo “déficit na comunicação e interações sociais, comportamentos repetitivos e áreas restritas de interesse”, segundo a Associação de Amigos do Autista (AMA). Há diversos níveis dentro do espectro autista, que vão desde quadros mais graves e que afetam o desenvolvimento intelectual, incluindo a fala, até quadros bem mais brandos, como é o caso da Síndrome de Asperger. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que cerca de 1% da população mundial está dentro do espectro do autismo. A organização aponta ainda que mais de 80% dos adultos com autismo está desempregado.

A falta de flexibilidade para entender essas pessoas pode custar caro em termos de talento. Alguns dos maiores gênios e intelectuais dos últimos anos foram diagnosticados ou têm forte suspeita do diagnóstico por apresentarem sintomas e comportamentos associados ao TEA. Lionel Messi, eleito cinco vezes o melhor jogador de futebol do mundo, Albert Einstein, vencedor do Prêmio Nobel de física, Bill Gates, fundador da Microsoft e Tim Burton, renomado cineasta, demonstram que o autismo não é sinônimo de falta de competência. No entanto, em uma entrevista ou dinâmica padrão, esses nomes poderiam ser descartados durante o processo seletivo.

Esse foi o insight do fundador da Specialisterne, empresa social fundada na Dinamarca e que trabalha com o propósito de criar empregos para pessoas com TEA. Thorkil Sonne percebeu que seu filho autista tinha diversos talentos que seriam muito úteis a empresas, principalmente para as de tecnologia: capacidade de atenção e concentração, boa memória, atenção aos detalhes.

 Banco de talentos

No Brasil desde 2015, a empresa conta com um projeto de formação voltado para a área de tecnologia para pessoas com autismo. O time da organização conta com especialistas em TI e psicólogos, que ajudam no desenvolvimento de habilidades sociais. Segundo Marcelo Vitoriano, diretor geral da Specialisterne no Brasil, a formação conta com alguns momentos importantes: a adaptação, identificação de talentos e habilidades de cada pessoa; no segundo momento, são oferecidos cursos voltados para habilidades técnicas como desenvolvimento de software, pacote Office e também desenvolvimento social. Após os workshops, eles participam de atividades em empresas para verificar a performance e os aprendizados. A empresa então deixa um banco de talentos atualizado com os candidatos para indicar em caso de parcerias com outras organizações.

Vitoriano lembra que uma parte essencial do trabalho é a preparação de empresas interessadas na contratação. “Temos processo forte de educação, workshops, onde falamos um pouco sobre autismo, suas características e necessidades. Abordamos também que talentos e benefícios pessoas com TEA podem trazer para uma equipe e como que a empresa pode facilitar a adaptação, criar um ambiente de apoio. A gente costuma falar que a inclusão das pessoas com autismo é o projeto que valoriza a diversidade, mas também contribui para o engajamento do time”, relata.

A atenção no processo seletivo também é fundamental. Antes da entrevista, a Specialisterne conversa com o gestor e a equipe de Recursos Humanos para falar sobre o candidato, orientar a forma de condução da entrevista e pensar nos detalhes e sutilezas que podem atrapalhar nessa troca. “É um processo seletivo diferente. As pessoas autismo precisam de perguntas mais fechadas e concretas. Quando o recrutador pede algo do tipo ‘me fala da sua experiência profissional’, é muito amplo para elas. É preciso fazer a adaptação com o recrutador antes”, ressalta.

A Specialisterne já atendeu gigantes como Deloitte e Microsoft. A SAP também é uma dessas empresas parceiras. Um programa global da gigante de tecnologia chamado “Autism at Work” [Autismo no trabalho] tem como meta de ter 1% de seu quadro de colaboradores formada por profissionais com TEA. A gerente de RH da SAP, Eliane Demitry, relata que a iniciativa vem desde 2013, a partir da identificação que pessoas com TEA representavam diversidade e poderiam trazer benefícios e vantagem competitiva para o negócio.

Eliminando barreiras com ações  

“A principal dificuldade hoje é transpor a barreira dos próprios gestores. Há questionamentos de ‘como vou lidar com essa pessoa’ ou ‘como será o dia a dia’, mas quando apresentamos o que é o TEA e como essas pessoas são, isso vai quebrando a barreira. Nesse projeto, depois que as pessoas entram, elas tem comportamentos que surpreendem muito, tanto de atitude quanto na sua forma de trabalhar, em sua dedicação com o trabalho”, comenta. Hoje, a empresa tem 128 pessoas autistas contratadas globalmente. No Brasil, são 11. Para Demitry, uma das principais portas de entrada hoje é o programa de estágio, justamente por trabalhar mais de perto com o desenvolvimento da pessoa. Cada contratado possui um tutor ou mentor que ajuda a pessoa com coaching e reuniões a cada 15 dias para ajudar em melhorias de ambas partes. “Isso tem ajudado na contratação e na adaptação também para as pessoas que trabalham junto daquele colaborador”, ressalta a gerente.

Como dica para empresas que se interessam por tais tipos de programa de inclusão, Marcelo Vitoriano recomenda principalmente ações na adaptação do processo seletivo e também no acompanhamento próximo às pessoas com TEA. “As empresas tem que buscar parceiros que possam orientar a identificar a possibilidade de trabalho e fazer o trabalho de preparo para receber a pessoa de uma forma que ela se sinta bem naquele ambiente. Não tenha a pretensão de querer fazer tudo sozinho, busque benchmarkingcom empresas que já fizeram ações e trabalhos”, indica.

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